• 0

    Frete grátis a partir de R$ 110

A poeticidade em potência máxima: Risque esta palavra, de Ana Martins Marques

por Giovana Proença
Bezerra olhando para a câmera enquanto corpos passam por trás. Foto de Luísa Machado para texto de Giovana Proença sobre Ana Martins Marques

Giovana Proença é mestranda no Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP. É uma das editoras da Revista Fina, na qual publica sobretudo críticas e entrevistas. Colabora com publicações culturais e às vezes se arrisca na ficção. É de 2000. 


A força da singularidade poética da mineira Ana Martins Marques retorna em potência máxima no recém-chegado Risque Esta Palavra, publicado em 2021 pela Companhia das Letras. A poesia de Marques é a expressão máxima da versificação do ordinário. A fórmula, já conhecida nos volumes anteriores de Marques, Da Arte das Armadilhas, O Livro das Semelhanças e A Vida Submarina – reeditado e de volta às prateleiras este ano – conquistou uma legião de leitores, sempre dispostos a compartilhar nos stories os melhores versos da poeta mineira. 

Amor, viagem, linguagem e até mesmo o ato de fumar transitam entre a banalidade e o sublime. Os dois polos simbolizam a tensão da forma. Ana se apropria do prosaico enquanto tece poesia. Versos livres, longos, curtos e entrecortados compõem o mosaico do volume, em ritmo único. Uma experimentação possibilitada pelo ímpar momento poético do século XXI, moldado pelo trabalho dos maiores nomes do nosso modernismo, cuja influência se arrasta pelo último centenário, culminando na obra de poetas como Ana Cristina Cesar, e a profusão de nossas versificadoras contemporâneas – dentre as quais Ana Martins Marques se destaca. 

O livro se divide em quatro seções: “A porta de saída”, “Postais de Parte Alguma”, “Noções de Linguística” e “Parar de Fumar”. Vale mencionar a escolha arriscada dessa última, visto que o cigarro se tornou um locus um tanto quanto saturado na literatura – vide duras as críticas aos moldes “Bukowski” de escrita. Mas Ana reinventa bem o fumo queimado, e cria belas imagens. Grande ganho à nossa poesia são, por exemplo, os versos de Marques sobre Wisława Szymborska, poeta polonesa vencedora do Nobel de Literatura de 1996

Ana Martins Marques demonstra mais uma vez a exímia artimanha arquitetônica na construção poética. Em reinvenção da tragédia shakespeariana, a personagem símbolo do desfortúnio sobrevive em “Ofélia aprende a nadar”, salva pelas palavras que a fundem à água, sua assassina na história original. Aliás, fascinante é o tratamento da temática marítima dentro da obra da poeta mineira. Distâncias são diluídas em Risque Esta Palavra, “Assim como a Boêmia/ também Minas faz fronteira com o mar”. Mas afinal, “as viagens são daqueles /que nunca deixaram sua aldeia/ como as fotografias por direito pertencem/ aos que não saíram na fotografia/ – é dos solitários o amor,” escreve Ana n’O Livro das Semelhanças.  Em outro brilhante poema da nova coletânea, “Um café com a Medusa, a poeta descreve o encontro: “cúmplices/ ela e eu/ (embora eu evite/ confesso/ olhá-la nos olhos)/ tomamos nosso café quase/ em silêncio”. 

 Os poemas de Risque Esta Palavra são a transcrição da ausência, traduzida na presença da palavra. Momentos efêmeros e elementos já inexistentes retornam por meio da linguagem. As palavras justapõem opostos: “Nos encontraríamos/ simultaneamente/ mais gordos e mais magros/antes e depois do divórcio” . Os próprios cigarros são um símbolo do tempo. A fumaça se esvai, e Ana brinca com o nome de seu novo livro “(seria talvez necessário agora/ riscar todos os meus versos/ com a palavra cigarro)”.


Foto de Luísa Machado.

Leave Your Comment

faz um PIX!

Caso dê erro na leitura do QRCode, nossa chave PIX é editora@aboio.com.br

DIAS :
HORAS :
MINUTOS :
SEGUNDOS

— pré-venda no ar! —

Literatura nórdica
10% Off